VALOR VEGANO
Como o veganismo está crescendo e impactando o mundo
O veganismo está crescendo no Brasil e no mundo. Cada vez mais pessoas estão adotando esse estilo de vida. Entenda o que é essa prática, como as pessoas que a adotam vivem, quais suas implicações ambientais e políticas e seu impacto na saúde. Ao longo desta reportagem foram produzidos, além da parte textual, infográficos, um podcast e um vídeo, abordando outras questões pouco discutidas da temática.
Reportagem de Cecília Almeida, Genivan Júnior e Matheus Minuncio.
Grande parte da população desconhece a vida e o cotidiano de um vegano, que se restringem ao consumo de qualquer produto proveniente de exploração animal. Diante disso, vários mitos se propagam na sociedade como, por exemplo, a impossibilidade de se viver sem as proteínas da carne. Por isso, convidamos Samuel Alves e Vinicius Faria, ambos estudantes da Universidade Federal de Uberlândia, para nos contar o modo com o qual aplicam o veganismo em suas vidas, o porquê e as mudanças que ocorreram com essa escolha. Como também apontamos suas concepções acerca do veganismo, movimento que vem ganhando muitos adeptos nos últimos anos.
Antes de tudo, é importante entender a diferença entre o vegano e as diferentes vertentes do vegetarianismo, para a compreensão do assunto. Na tabela abaixo, elaborada pelo portal vista-se, é possível ver as características respectivas de cada grupo.
ESTILO DE VIDA
Samuel, hoje com 20 anos, se tornou vegetariano ainda na adolescência, época em que estava no Ensino Médio e fazia o curso técnico em Agroindústria, no Instituto Federal do Triângulo Mineiro (IFTM). Aprendeu sobre a indústria de vários ramos alimentícios, inclusive da carne. Na disciplina de Tecnologia de Carnes, pescados, ovos e mel estudou os processos de abate, quando chegou até presenciar o ato em uma visita a um frigorífico. “Nunca me sensibilizei com isso ou achei que deveria tomar uma posição a partir dessa realidade. Depois que eu fui a uma visita técnica em um frigorífico de Ituiutaba, é que vi realmente o que estava acontecendo, o quão desumano eu achava aquilo. Resolvi que não queria compactuar com aquilo e nem financiar aquele tipo de coisa. E a partir daí eu parei de comer carne ”, revela.
Este fato que veio facilitar sua mudança de hábito do vegetarianismo para o veganismo. “A transição para mim não foi difícil. O mais difícil foi virar vegetariano. Eu pensava que não iria conseguir. A gente acaba substituindo a carne por ovos principalmente. E acabei me acomodando. Não vi muitas possibilidades, mas depois que virei vegano é que notei a quantidade de produtos veganos que há em um supermercado ”, conta.
Diferente de Samuel, Vinícius, atualmente com 19 anos, se tornou vegano há apenas seis meses. Para ele a transição foi diferente. “Eu comia carne há muito tempo e o Samuel já era vegetariano. A gente começou a namorar e, depois de um tempo, um começou a ajudar o outro. Nas férias do ano passado tentamos diminuir o consumo desses alimentos. Foi um pouco difícil, principalmente, nas festas de final de ano. Mas acabou dando certo quando chegamos em Uberlândia. Não mudamos quase nada na alimentação. Tiramos um ou dois itens e substituímos por vários alimentos”, relembra.
Motivação para ser vegano
É notória a existência de diferentes razões para se aderir ao veganismo. A principal pode ser considerada a empatia pelos animais, que como nós humanos, também são seres sencientes passíveis de sentimento. O veganismo possui concepções e fundamentos. Segundo Samuel existem três principais motivos para aderir ao movimento: a saúde, o meio ambiente e a proteção aos animais. “Nosso corpo não foi feito para digerir carne. Atrasa o ciclo corporal, porque demora para digerir e, quando viramos veganos, percebemos essa diferença. Nos sentimos mais dispostos, muda completamente”, comenta.
Ele ainda reitera que a cultura da carne como elemento principal do prato máscara a falsa ideia de comer muito mais nutrientes. “Eu só comia arroz e carne, depois que virei vegano tive que abrir meu paladar e, hoje em dia, como todo tipo de verdura. Então sem dúvida minha alimentação está bem melhor. Outra coisa que muda, por exemplo, são as espinhas. A gente nunca mais teve, a pele melhora muito e o intestino fica muito mais regulado. Muita gente opta pelo veganismo por questões de saúde”, complementa.
O segundo motivo descrito por Samuel é o meio ambiente. “A questão da agropecuária é muito forte no Brasil. Eu não como a soja que é plantada; ela vai para o boi. Isso poderia inclusive acabar com a questão da fome no mundo, pois grande parte dos grãos é destinada aos animais. Tem também a questão da água. A indústria da carne consome muito mais água e energia do que nós. E a carne não é acessível a todo mundo, pois ninguém come carne todo dia. Então muitos aderem ao veganismo por isso”.
O terceiro motivo elencado por Samuel é a causa da proteção aos animais. “Para mim foi esse o principal motivo, por questão de empatia mesmo. O principal são os animais que estão morrendo todos os dias para alimentar um hábito que não é necessário para o ser humano”, finaliza.
Veganismo na prática
Partindo das questões de mudança de hábito, chegamos enfim às questões práticas, do dia a dia. Muitas pessoas se questionam sobre a alimentação e a dificuldade de encontrar produtos que se enquadrem nos padrões alimentares veganos. Samuel falou um pouco sobre o assunto no ambiente universitário, onde dedica grande parte do seu dia. “Na universidade a única coisa vegana que podemos consumir é café e, no máximo, um açaí. Como fazemos curso integral, a acessibilidade aqui no campus é um pouco difícil. Temos que comprar coisas em outros lugares ou até trazer comida. No Restaurante Universitário (RU), apesar de ter a opção vegetariana, raramente ela é vegana, porque os pratos são compostos de muito queijo e ovo”, relata. Para o rapaz a transição foi um pouco difícil neste sentido. “Como minhas razões para ser vegano já estavam gritando, então parei para pensar nas dificuldades e contornei elas”, conta.
Mas para quem pensa que a dieta vegana somente não precisa haver conteúdo fisicamente animal, a carne, se engana. A partir do momento em que se sensibiliza com a causa dos animais, o vegano deixa de consumir qualquer produto de origem ou testado com animais, embora tal fato seja polêmico e não se aplique a todas correntes do veganismo. “Existem correntes do veganismo. Algumas defendem que mesmo que o produto não tenha origem animal, se a indústria que produz aquele alimento também produz outros alimentos de origem animal, todos esses produtos não são veganos. É uma questão bem polêmica e que divide os veganos”, completa Samuel.
Essa concepção da causa vegana citada pelo entrevistado, que restringe o consumo em 100% nos quesitos alimentação, vestuário, beleza e entretenimento, é a que mais pessoas se associam ao veganismo. Ao contrário do que o senso comum apregoa, isso não torna tão difícil a vida, pois existem locais que oferecem produtos que não se utilizam da exploração animal. “Quando paramos para ver, existem muitas opções. A feira, por exemplo, é um hábito que estamos tendo agora. É muito acessível, não tem essa questão de são produtos caros. É outro estereótipo que está associado ao veganismo”, finaliza.
Essa preconcepção é difundida através do desinteresse das pessoas no assunto, a partir de uma construção cultural, segundo Vinicius Faria “Isso acontece na minha casa. Minha vó e meu avô quando eram crianças viam animais sendo mortos. Para eles aquilo se tornou tão natural que acham normal. Já a minha tia e o meu pai não chegaram a ver essa situação. Converso com eles e, pelo fato deles se alimentarem assim desde pequenos, é uma coisa indispensável”, comenta.
Um exemplo simples do cotidiano que nosso entrevistado presenciou foi a crença errônea da necessidade atrelada a cultura social de comer carne. “Fiz um bolo e minha tia perguntou se não era vegano. Disse que era sem ovo e leite, mas, como para ela aquilo era necessário, me perguntou como faria um bolo sem os ingredientes fundamentais. Essa reação é cultural, pois a convivência com o social acaba causando esse tipo de pensamento. O churrasco é atrelado ao social, por exemplo. Então as pessoas acham que o veganismo vai retirar o afeto dos hábitos culturais. Porém é só uma mudança de hábito, de substituir uma coisa ou outra, uma adaptação que apenas vai mudar sua alimentação”, desmistifica Vinícius.
Um aprendizado social
Outro ponto que deve ser mencionado ao falarmos de veganismo são os questionamentos que são feitos todos os dias de maneira mal-intencionada sobre esse estilo de vida, que em alguns casos, podem chegar até ser considerados atos de bullying. “Muita gente não sabe o que é veganismo e aí acontecem umas associações erradas. Quando falei para minha avó que virei vegano, ela perguntou se era alguma religião. Uma vez teve um jantar de família, uma galinhada, que acontece tradicionalmente. Uma prima começou a me ofender de vários jeitos, falando que não fazia sentido eu parar de comer carne, que era um modismo. Existe um bullying com os veganos, só que não vem muito do movimento em si, mas da ideia que as pessoas fazem do movimento”, explica Samuel.
Vinícius Faria também relatou suas experiências sociais. “Tenho colegas que convivem comigo e, até hoje, ficam em dúvida do que é um vegano. Uma vez em que fui comprar algo na lanchonete, uma menina da minha sala falou: Mas você não era vegano? E começou a me questionar item por item dentro da comida, com uma ideia totalmente errada do que era o veganismo. Outra vez, quando contei para os amigos da minha cidade que eu virei vegano eles disseram: ‘Nossa, agora você virou gay de verdade’”, relembra.
Existem casos que beiram ao absurdo são perguntas como: Você mataria um animal para sobreviver? “Eu já ouvi algo do tipo: se tiver um vegano numa ilha deserta com uma galinha e só areia, é óbvio que na natureza ia acontecer. A gente é um animal, se você tiver que comer para não morrer, você vai consumir aquilo”, contou Vinícius. Samuel completou a afirmação: “Veganismo não tem a ver com isso, ninguém vai passar fome. Se você chegar num lugar e não tiver nada para comer, não vai chegar alguém e dizer que você não pode comer”, enfatiza.
Outra vertente do veganismo que também gera muitas brincadeiras de mal gosto são os vangsexuais - termo utilizado para designar um relacionamento entre veganos que só se relacionam com outros veganos. “Tem algumas questões complicadas quando exiganismo tem um cunho político também e sabemos que um relacionamento com oposições políticas pode dar problema. Algumas pessoas não lidam muito bem com esses problemas, mas outras pessoas também exageram”, conta Samuel.
Ao serem questionados sobre o contexto se irá mudar algum dia, Vinícius argumentou: “Existe um dado de que o Brasil tem mais bois do que seres humanos. Um dia isso não vai comportar mais, pois, com a população maior, isso fica insustentável. Vai haver a necessidade de se reduzir o consumo de carne”, conclui.
Para saber mais sobre o universo vegano, a seguir, assista o vídeo que apresenta um pouco da experiência de dois personagens que também vivem o veganismo. O primeiro, Wibio Pereira, é empreendedor na área de produtos veganos. A segunda, Isabela Amaral, é estudante e consumidora desses produtos. Confira Já!
POLÍTICA E MEIO AMBIENTE
Outro assunto que merece ser debatido na questão do veganismo é a política e o meio ambiente.
“Quando nasceu, foi separado da mãe aos sete meses. Aos dois anos e meio, foi castrado e impedido de andar livremente por três meses e obrigado a fazer uma viagem: a última viagem. No local, foi recebido com duchas. Não deram o que comer e o confinaram. Por fim, um tiro certeiro de pistola de pressão. Inconsciente, subiu em direção ao céu, içado por correntes. Com o pescoço para cima, no ato final, cortaram sua jugular. Causa da morte: falta de oxigenação”.
O relato anônimo acima pertence aos mais de 30 milhões de bovinos mortos em 2017 no Brasil para produzir carne, segundo os dados da Pesquisa Trimestral do Abate de Animais do IBGE.
O Brasil possui uma cultura que coloca a carne e produtos derivados de animais em posição central na alimentação. Para essa lógica, uma dieta só é completa quando se tem carne na mesa. Essa cultura está baseada em uma tradição que é passada de pai para filho, e que ensina desde a infância que é preciso comer carne para ter todos os nutrientes. Para Ana Paula Perrota, professora da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ), doutora em Sociologia e Antropologia, vegana e pesquisadora da relação ser humano e animal, essa tradição é baseada “na crença de que sem a carne nosso organismo não funcionaria direito”.
Essa questão cultural pode ser associada também à construção da ideia de que o ser humano é superior perante as outras espécies vivas, devido a sua racionalidade, o que é um “mito do especismo”, segundo Vinícius Faria. Ele contou que teve uma discussão sobre o assunto em uma aula do seu curso de História. “Estávamos estudando os povos astecas e os indígenas. Uma mulher da minha sala comentou sobre os indígenas comerem outros humanos, falando que era um absurdo. A professora, que nem é vegetariana, falou para ela: ‘Mas porque você acha normal comer um boi e não acha normal comer um ser humano?Todos são mamíferos e muito próximos na cadeia alimentar’. Por isso o termo que usamos é o ‘especismo”, o fato de colocar as espécies numa hierarquia”, esclarece.
Já para Samuel Alves, tudo parte de uma associação histórica. “Foi previamente definido quais animais são mais próximos do ser humano e os mais distantes. A partir disso, as espécies distantes servem exclusivamente para exploração, seja como alimentação ou não. Já outros animais são associados à questão doméstica, que também os inferioriza”, contextualiza.
Mas a mesma sociedade que é baseada nessa crença do papel da carne também trata a morte como tabu. “Não se fala sobre morte, principalmente perto de crianças. Isso gera uma desinformação a respeito de um dos principais alimentos que compõem a dieta brasileira e os principais produtos de exportação”, explica Ana Paula Perrota. Segundo dados de 2017, do Ministério da Agricultura, a expectativa para 2020 é que o Brasil seja capaz de suprir 44,5% do mercado mundial. “Nós tentamos atenuar a própria morte, nós nem falamos que milhares de animais são mortos todo o dia para a produção de alimentos. Nós dizemos abate, que já é uma forma de criar um eufemismo para a situação”, detalha a pesquisadora.
Segundo Samuel, a indústria tenta se aprimora para mascarar a morte. “O abate dos animais e o consumo de carnes em bandejas, por exemplo, não é um assunto comum de se ouvir falar na televisão. Os frigoríficos geralmente são bem distantes das cidades, para não haver uma conexão do que é consumido. Há uma naturalização em nossa sociedade. A partir do momento que o ser humano toma consciência disso, a chance dele virar vegano é muito maior”, finaliza.
Os tipos de corte da carne, por exemplo, segundo ele, foram inventados, pelo fato de não sensibilizar as pessoas. “Ver as bandejas e os cortes como produto é muito diferente de um animal. Então tentamos fingir que o processo do abate não acontece”, explica Samuel. E Vinícius complementa: “Ao se comparar uma bandeja com peito de frango com um frango inteiro, você sente um impacto muito maior com o animal do que com a carne cortada, já na bandeja. Porém um animal é desfigurado em cortes, a ponto de tratarmos aquilo como produto”, reforça.
Para mudar uma tradição, já enraizada, não é simples. Segundo Ana Paula, são precisos dois elementos: mobilização política e informação. No Brasil, existem Organizações Não Governamentais, como a Mercy for Animals Brasil que faz campanhas contra a crueldade com animais e também existem casos emblemáticos de resgate de animais, como aconteceu em 2013, quando um grupo de ativistas resgatou beagles do Instituto Royal que eram usados para testes científicos.
No campo da informação, começaram a ser feitas pesquisas em diversas áreas sobre o veganismo, desde a nutrição, a medicina, a ética e outras áreas. Muitos comportamentos começaram a ser questionados. “Nós começamos a nos perguntar: Preciso comer carne todos os dias? Quais são os efeitos para o meu corpo e para o meio ambiente? As respostas que conseguimos são as informações que a gente tem sobre determinada tradição”, comenta a pesquisadora.
Uma área em questionamento, principalmente pela influência do veganismo, é a de teste em animais. O movimento vegano denuncia o abuso e a crueldade com animais, em um modelo científico que tem uma eficiência que pode ser questionada, por não levar em conta a diferença nos organismos das cobaias e dos seres humanos e a questão ética. “Nosso modelo científico estruturado em testes em animais e em uma indústria que produz cobaias para um negócio lucrativo”, afirma Ana Paula Perrota, que explica, entretanto, que começou a ganhar força o método substitutivo, que busca outras formas de testar cosméticos e medicamentos que não sejam em animais.
Porém ainda há desinformação, principalmente sobre a alimentação diária do brasileiro. Um exemplo citado por Ana Paula é o leite. Quando se pensa em sua produção, há uma visão romântica e idealizada do ser humano, sentado em um banco, ordenhando uma vaca em uma paisagem bonita, visão vendida pela indústria do leite em embalagens e na publicidade. Porém a questão do leite é “marcada pelo mesmo tipo de violência [da indústria da carne]. A única diferença é que não existe o assassinato”, comenta a pesquisadora. Todavia essa visão idílica não existe. No sistema de produção em larga escala, que chega à mesa do consumidor, há máquinas extraindo o leite de vacas criadas com todo o conhecimento da Engenharia Genética, para que sejam cada vez mais produtivas.
O processo de produção de leite envolve a separação do bezerro e das vacas no nascimento. Além disso, os bezerros machos são mortos para virar vitelo, pois não possuem leite nem são lucrativos para integrarem a indústria da carne. Esse conhecimento não chega nas embalagens de leite no supermercado. As pessoas sabem de onde vem o leite, mas não sabem como é produzido.
O mesmo tipo de crueldade ocorre na produção de roupas com produtos de origem animal, como, por exemplo,o couro. Para Dino Demartini, dono da Kerai, uma empresa de produtos de vestimentas veganos , o uso de animais pertence a uma indústria “ultrapassada e fora de contexto”. “Faz parte de uma cultura que remonta às idades longínquas, quando o ser humano precisava se aquecer com peles durante invernos rigorosos. Hoje não faz o menor sentido. Chega a ser uma ofensa achar que existe um público consumidor para esses artigos que justifique a morte de um animal”, explica o empreendedor.
Dono de uma empresa que, além de vegana, usa produtos recicláveis, ele critica a indústria do couro, que é, em toda a cadeia produtiva, poluente e consumista, principalmente de água. “Desde o abate dos animais, não importa se destinada à alimentação ou não até a confecção de um calçado, por exemplo, existe uma indústria obsoleta que causa desperdício, poluição e morte”, comenta Demartini.
Não só os animais saem prejudicados com essa centralidade que a carne tem na vida dos brasileiros, mas também todo o meio ambiente. Há, segundo a pesquisadora, uma relação entre o desmatamento da Amazônia, de outras vegetações, e a pecuária. Quando essa associação não é direta, pelo uso de terras para pastagens, se torna indireta, como por exemplo no uso de terras para a produção de soja, que se transforma em ração animal.
A criação de gado em larga escala também gera um problema ambiental, além de uma vida curta aos animais. Ela reduz a expectativa de vida de 15 a 20 anos para quatro anos. “ Vários estudos já mostram o quanto a pecuária é insustentável, por consumir muita água, produzir desmatamento, gerar resíduos que poluem os lençóis freáticos e o solo”, explica Ana Paula. Há também o perigo do uso de antibióticos na criação desses animais, que causam problemas de saúde e de contaminação do ambiente.
A seguir se encontra um podcast que produzimos, apresentando um pouco sobre as questões históricas, ativistas e a relação do movimento com o jornalismo tradicional e independente. Para isso, convidamos o professor de Jornalismo da Universidade Federal de Uberlândia, Rafael Duarte Oliveira Venâncio, para participar do “Pense Veg- #história, mídia e ativismo no veganismo”. Confira:
SAÚDE
Os veganos seguem um estilo de vida que exclui o consumo de quaisquer alimentos de origem animal, normalmente obtidos por meios cruéis e dolorosos a estas vidas. Sua filosofia vai muito além do consumo desses alimentos. Muito se discute a respeito da alimentação vegana, se ela seria ou não saudável. Para sanar dúvidas e desmistificar, o “Já” conversou com duas nutricionistas, Isabella Ferreira, vegetariana e Thaís Assunção, que é vegana desde o início de 2018.
Quando estavam na faculdade, as nutricionistas não tinham nenhuma disciplina com relação ao veganismo, nem mesmo ao vegetarianismo. O interesse pelo tema foi particular. Ferreira têm um primo vegano, que na época era vegetariano. No período ela achava isso um absurdo. Até que, no meio de sua pós-graduação, enquanto navegava nas redes sociais, assistiu um filme de uma vaca indo para o abatedouro. Aquilo a tocou, e ela se tornou vegetariana da noite para o dia.
“Ao se tornar vegano, todos devem passar por uma transição. O estilo de vida de quem consome carne e irá tirar todos os derivados animais é muito diferente. Normalmente quem corta tudo de uma única vez não consegue manter”, explicam. Ainda, de acordo com as nutricionistas, quando as pessoas as procuram, já estão com um objetivo em mente e uma motivação grande para fazer esta escolha de vida.
Segundo Ferreira, “cada ser é muito complexo para se comparar com outros. Cada um leva a vida de um jeito. Somos seres individuais e nossa necessidade é individual. Temos sim um padrão no qual podemos nos espelhar e recomendações, mas isso é muito pessoal. É importante que a pessoa se conheça ou busque conhecimento de um profissional”, explica.
“Se você não comer carne vai ficar fraco: e as proteínas? ”
Quanto à afirmação de que “se você não comer carne vai ficar fraco”, Assunção diz ouvir a todo o tempo, e afirma não ter nada de mais enganoso. “Nós repomos as nossas proteínas por meio das folhas verde-escuras, castanhas, sementes e leguminosas, seja de soja, de grão de bico, de tofu ou tempeh. “Para se ter uma ideia, uma fatia de tofu tem a mesma quantidade proteica de um ovo e apresenta 1/3 das calorias. Então é um alimento muito mais saudável”, afirmou Assunção.
O problema é achar que não irá comer nada, associando suas mentes ao estilo de vida onívoro, que almoça arroz, feijão, salada e carne. Veganos comem cereais, frutas, legumes e qualquer outro alimento que venha das plantas.
De acordo com Assunção, o vegano não consegue comer somente arroz, feijão e salada apenas, porque faltam nutrientes. Se você retira um alimento tão importante, deve substituí-lo, variar e ampliar a alimentação para repor os nutrientes. Além disso, não existe nenhuma necessidade fisiológica de se comer carne. Hoje ela é cultural. Segundo Ferreira, o nosso corpo consegue suprir todos os nutrientes, em uma alimentação sem carne.
“Leite faz mal?”
O ser humano não foi feito para digerir a lactose, proteína do leite. Por muito tempo, o nosso corpo foi programado para beber o leite materno somente até os 2 anos. Há milhares de anos com a evolução, o nosso organismo foi sendo capaz de produzir a enzima lactase da mucosa intestinal, capaz de digerir a lactose. Contudo segundo as nutricionistas, existe uma fase da vida em que ela vai diminuindo e o número de pacientes com intolerância a lactose vem crescendo a cada dia.
De acordo com a pesquisa “Conhecimento sobre a intolerância à lactose na população brasileira” do Instituto Datafolha, divulgada em julho de 2016, 35% da população com idade acima de 16 anos, o que representa cerca de 53 milhões de pessoas relatam algum tipo de desconforto digestivo após o consumo de derivados do leite.
Segundo Ferreira, fisiologicamente não temos a quantidade enzimática necessária para consumir este alimento. A forma como ele é processada interfere muito na quantidade de enzimas que esse alimento já teria, como probióticos e vitaminas do complexo B. Com o número cada vez maior de intolerantes, é mais comum encontrar substitutos a esses alimentos do que recomendá-los, como os leites vegetais, das sementes, das castanhas e dos cereais.
“A tal da vitamina B12”
Existe apenas um nutriente que não podemos encontrar em grande quantidade na alimentação vegana: a vitamina B12. Ela é uma vitamina de muito difícil absorção até mesmo em onívoros, porque é produzida por bactérias. Segundo Assunção “o boi ingere essas bactérias e passa para o seu estoque. Quando nós comemos os músculos da carne, obtemos este estoque, mas para a vitamina chegar no nosso sangue, deve ser ativada pelo fator intrínseco do estômago”, explica.
Quando alguém apresenta deficiência da vitamina B12, os sintomas mais comuns são sono, indisposição, perda de memória e concentração. Quem consome carne não costuma apresentar, esses problemas, a não ser que tenha problemas de absorção. A B12 geralmente está ligada à deficiência na dificuldade da ressíntese que acontece dentro do nosso organismo.
Nesses casos, a única forma de obter B12 é por meio de manipulados. Encontramos várias suplementações sintéticas da vitamina. Conforme o nosso estoque vai esgotando, o intestino recicla a B12 que está saindo para a usarmos de novo.
“A Carne causa várias doenças? ”
Existem vários estudos demonstrando que o consumo de carnes e sua gordura saturada podem levar a bloqueios nas artérias, arteriosclerose e desenvolver doenças cardiovasculares. A carne é um alimento rico em antibióticos, o que, ao longo do tempo, não faz bem. Por isso as taxas de doenças crônicas não transmissíveis, como diabetes e doenças do coração, vêm aumentando.
É comprovado que pessoas que diminuem os níveis de carne têm menos propensão a ter esse tipo de doença. Segundo Assunção “a indústria da carne não é só alimentação. Ela é gigantesca. O fato de não comer carne não é só saúde. É a única forma sustentável de termos um mundo daqui a uns tempos. Temos uma dissociação muito grande da carne e de leite do que realmente é”, conta.
Erros Comuns
Segundo Ferreira, uma dieta baseada em plantas é o que todo mundo deveria fazer, com pelo menos 70% da sua alimentação vinda do reino vegetal. “Se uma pessoa fizer o consumo de muitos industrializados como pães, farinha, açúcar e biscoitos, mesmo sendo vegana e não tiver uma alimentação saudável com o consumo de verduras, fruta e outros alimentos, ela não vai estar bem”, afirma. “É muito importante que as pessoas não deixem apenas de comer carne e produtos de origem animal, mas que tenham uma alimentação variada e rica em nutrientes”, finaliza.
“Exercícios X Alimentação”
A quantidade de proteína que conseguimos na alimentação vegana é ideal para fazer a construção de músculos e conseguir ficar saudável. Segundo Assunção, as pessoas apresentam uma quantidade proteica adequada, mas o uso comum é de duas vezes acima do necessário, sendo que conseguimos o aporte adequado apenas com a alimentação vegetariana. “Uma pessoa não pode virar vegetariana e não se alimentar direito. A consequência é ficar doente e não conseguir fazer a hipertrofia. Mas, se você for em um nutricionista e calcular sua dieta, isso é totalmente possível. Só é necessário de 0,8 a 1,5g de proteína por kg para fazer hipertrofia”, afirma.
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